sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Preces e Risos






   Numa certa época o objeto mais chique que tínhamos em casa era uma bíblia grande com a borda das folhas douradas.Todas juntas reluziam parecendo ouro. Até hoje não sei o fim que deram a ela;só sei que fazia parte das diversas coleções

de livros que meu pai adorava comprar dos viajantes.Meu amor

pela leitura é herança de pai e mãe; minha mãe sempre gostou de ler e meu pai era apaixonado pelos livros , achava-os importantes, gostava de vê-los na estante enfileirados e limpos, com cheiro de novo.

   Novenas e procissões faziam parte do calendário religioso da família e nós meninas , botávamos vestidos de brodery , meia americana,sapato de verniz , melindrosas de bolinhas e correntes com medalha de santinho no pescoço.

Era uma festa , toda a cidade se reunia , a procissão partia da igreja matriz e dava a volta na cidade. A mais bonita pra mim era a de Santa Bárbara, nela a Santa era carregada cheia de flores pelos mineiros que usavam capacetes com as luzes acesas na cabeça,uniformizados iam iluminando o caminho até a mina de carvão, onde a Santa era levada até o subsolo para abençoar o local e trabalhadores,protegendo-os de acidentes e desgostos, como se isso fosse possível...

Mais tarde continuaria gostando muito dessa data , 4 de dezembro, aniversário de alguém muito especial , com quem partilharia a janela pra ver a santa passar todos os anos em direção ao poço, naquele ritual idólatra.

Mas, voltando ao passado , numa dessas procissões , iam em nossa frente carregando velinhas acesas e rosários de cristal,duas senhoras respeitadíssimas ; uma delas muito eloqüente

em rezar suas rezas e cantar seus cantos,os quais podiam ser ouvidos a bons metros de distância .

Dona Josefa e Dona Carmelita eram também conhecidas por gostarem de uma boa fofoca e estarem sempre muito bem informadas a respeito da vida alheia.

Pois nessa procissão,o padre dizia: ave Maria cheia de graça ,o senhor é convosco e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.

E os fiéis em coro rezavam a outra Parte :santa Maria,mãe de Deus ,etc.etc..e tudo de novo.

Eu e minha irmã que mais especulávamos quem tava na procissão do que rezávamos , curiosidade própria das crianças entre 7 e 8 anos –íamos de braços dados ao lado de nossos pais e atrás da Dona Josefa e Dona Carmelita. E, como já disse , as duas rezavam fervorosas e tão alto que boa parte dos fiéis ouviam e se sentiam desobrigados de repetirem a sua parte, só que no meio das preces iam colocando os assuntos em dia . Numa dessas, subindo a rua da igreja , prosseguiam as duas eloqüentes .
   O padre disse : Ave Maria cheia de graça...
   E   Dona Carmelita: - Santa Maria mãe de Deus, zefa o que é aquele prédio ali na esquina ? agora e na hora de nossa morte.Amém.
Prontamente responde a outra:

-Amém! Glória ao pai ao fi... ,aquele é o prédio duma mulher de São Jerônimo... Santa Maria mãe de Deus.

-Rogai por nós pecadores, mas o que vão vender? Ave Maria cheia de graça .- continua  Dona Josefa.

-É uma loja, Souza e Souza é o nome (e incrementando a voz prosseguiu a oração ) Bendito é o fruto do vosso ventre ...

As duas:Amém!

   Sem poder segurar o riso, coisa que nunca consegui mesmo e para não sermos notados e acusados de blasfêmia, meu pai não menos louco pra rir, parou a beira da estrada e trocamos de lugar na procissão. Ali tinha se estragado o programa ou melhorado, cá pra nós. Eu e minha irmã, não conseguimos fazer outra coisa que não fosse rir e imitar as duas carolas, o que nos valeu bons beliscões-beliscõezinhos, que quanto menores, mais doíam.

   Quisera eu que a coisa parasse por aí, que no outro dia não tivesse a novena e eu não tivesse que ficar perto da dona Josefa, pois ela era do coro e nós, eu e outras crianças, líamos versículos bíblicos durante a missa.Tudo ia bem e eu até poderia ter esquecido do episódio, se Dona Zefa não fosse aquele tipo de carola empolgadíssima em suas rezas e cant
   Num dos cânticos ela extravasou, dessa vez para uma platéia bem maior (no mínimo metade da população da cidade). A música era aquela, cujo o refrão diz!Glória, Glória, Aleluia! Foi no decorrer da canção que dona Zefa foi se empolgando sua voz ficando cada vez aguda.

   E de repente ela se entregou a canção, todos pararam de cantar e ela continuou, abafando:glória, glória, aleluiaaaa.O padre vendo a situação prolongou o canto, até ficar insustentável. O padre então a contragosto bateu em seu ombro e fez um sinal lembrado que queria continuar a missa.

Eu, bum, explodi, explodi de rir e tive que sair correndo da igreja. SEmpre foi assim, engulo o choro, mas o riso, por favor não me peça!



FOTO: irmãs Cajazeiras da novela "O bem Amado" sempre me lembram das procissões .













O Cruzeirão




Em um ponto qualquer de Porto Alegre. Segunda, às 9 e 30 da manhã. Chuva que Deus manda. Numa parada de ônibus depredada, pichada, estropiada. Eu ali, de capa, bota, sacola numa mão, mochila na outra e um guarda-chuva de contra-peso. E nada do Cruzeirão passar.

A cada momento chegava mais e mais gente e a parada ai inchando, inchando. E as pessoas insistindo em ficar todas no mesmo lugar, em baixo do abrigo, mesmo que destelhado. Como se a passagem de ônibus incluísse vaga no abrigo.

Ao meu lado uma senhora gorda, com óculos embaciados, uma capa vinho de gabardini e chapéu mesmo tecido e mesma cor, completamente encharcados, uma bota larga de cano curto, dando ar de galochas e com a maior tromba, disputando com o olhar e o cotovelo, um espaço em cima de uma pedra.

Escoradas na lateral do abrigo, onde batia água, conversavam duas senhoras do lar, baixas, magras, apáticas e narigudas. A de verruga na sombrancelha falou para outra:

-Ele bate em mim, mas só de vez em quando. –num tom bem alto, num descanso, como que sugerido que as outras mulheres da parada, pelo menos de vez em quando levavam um sopapo ou um regabofes do marido. E ela, absoluta, a única com coragem de assumir.

A outra nariguda, por sua vez, balançava desolada a cabeça, cabisbaixa, de um lado para o outro, de vez em quando dizia:

-É brabo vizinha...é brabo...

-Ele bebe, mas não deixa faltar nada lá em casa - prosseguia a baixinha, cada vez mais inchada de orgulho.

-Os armários tão sempre cheio, do bom e do melhor!

E eu cá nos meus botões: Agora ela ta me desafiando, tá insinuando que os meus armários estão vazios. E eu nessa chuva, tendo que agüentar tudo isso. Meu Deus! My God! Alah, meu bom Alah!

E continuava a conversa, que já atraía a atenção de todos os passageiros do Cruzeirão, que não chegava:

-Não diz nome feio, que é pra não dar mal exemplo pros filho....bebe e vai dormir.

A outra, enfim trocou a frase:

-É não é fácil vizinha...não é fácil...

-Não é fácil, mas eu pelo menos não sou fingida e mentirosa, que nem a Janete Saracura, a senhora conhece né?

-A da casa amarela, a do cinamomo?

-É, a mulher do Tião maneta. Aquela apanha até por dentro dos olho. Tu te lembra quando ela se perdeu, que foi uma desgraceira pra família - falava apertando a boca e forçando uma papada, sabe como,né?

-Coisa muito triste! Mas a gente que tem filha moça, até nem pode tá falando – ponderava a outra.

-Mas eu não to falando, só to lembrando da desculpa esfarrapada que ela deu pro pai, mais pra mãe dela e que o resto da lomba ficou sabendo.

-Eu não to bem lembrada, também faz tanto tempo...-desconversava a vizinha, pelo jeito evitando fofoca.

-É faz tempo, mas ta vivinho aqui - bateu na cabeça, encaixolando os miolos e continuava:-Dizia que pegou barriga no banco quente. Por certo de algum crioulo, por que aquela criança era bem escurinha – falou rapidinho empolgada com o público atento da parada.

A essas alturas, eu já tava ensopada e tinha perdido a pedra pra gorda de óculos, que queria assistir tudo de camarote.

E a conversa continuava, enquanto ia passando uma turnê de ônibus: Cohab Cavalhada, Tristeza, T4, T2, T3 e todos os Tes, menos o Cruzeirão, o único que largava a gente em frente a Rodoviária.

Comecei a me preocupar com o horário e a sentir frio. Enfim dois ônibus pararam na sinaleira, um com as listras verdinhas, era o Cruzeiro. Num instante o povo todo se alinhou as pressas, puxando o dinheirinho da passagem. E aí vinha o Cruzeiro e POFT, dava um banho d’água em todo o mundo, inclusive na gorda que me roubou a pedra e que foi a primeira a formar fila. Bem feito! Que saco! Eu também fiquei toda encharcada, não fosse a comicidade das duas narigudas fofoqueiras terem tomado um banho e mais parecerem dois marrecos, eu teria pedido briga com o motorista.

Rumo a rodoviária, costeando o hipódromo. Quanto tempo morando nas barbas do hipódromo, sem nunca ter tido um pila pra assitir as corridas. È a vida!

Eu na janela, do meu lado uma negra forte, que no mínimo tinha despejado meio vidro de cashemere bouquet por cima. É minha mãe tinha razão, cashemere bouquet cheirava a morto.

E eu me nauseando, se virasse pra esquerda era desmaio na certa. Me levantei, eu, capa, bota, sacola numa mão, mochila na outra e um guarda-chuva de contra-peso.

sábado, 19 de dezembro de 2009

SARAU LITERÁRIO




O SARAU LITERÁRIO DE CHARQUEADAS NASCEU DE UMA IDÉIA  QUE SURGIU QUANDO EU ESTAVA NA PRESIDÊNCIA DA COMISSÃO DE EDUCAÇÃO DA CÂMARA DE CHARQUEADAS EM 2004, QUANDO PENSAMOS EM REUNIR OS LITERATOS DO MUNICÍPIO PARA APRESENTAREM SEUS ESCRITOS EM UM SARAU. O EVENTOU DEU CERTO E ACABOU POR FOMENTAR A EFETIVAÇÃO DA ASLIC - ASSOCIAÇÃO DOS LITERATOS DE CHARQUEADAS.A PREFEITURA ACABOU ENCAMPANDO O EVENTO JUNTO A ASSOCIAÇÃO  E ANUALMENTE TRAZEM AO MUNICÍPIO UM ESCRITOR FAMOSO E ABREM ESPAÇO PARA TODOS OS ESCRITORES COM TRABALHOS PUBLICADOS PALESTRAR EM E EXPOREM SUAS OBRAS E SUA VIDA.EM 2008 TIVE A HONRA DE SER ESCOLHIDA COMO PATRONESSE DO SARAU. NA FOTO APAREÇO COM MEU ESPOSO GIOVANE,NO MOMENTO EM QUE RECEBI UMA PLACA DA ASLIC, HOMENAGEANDO PELA CRIAÇÃO DO SARAU LITERÁRIO. FOI MUITO LEGAL!

TRIBUTO AO SR. JAIR

PATRÍCIA FERREIRA DA SILVA


AS PESSOAS TEM DESSAS COISAS DE QUERER JUBILAR E SANTIFICAR AS OUTRAS, DEPOIS QUE MORREM.


MAS POSSO GARANTIR QUE COMIGO NÃO FOI ASSIM, PASSEI ESSES ANOS QUE DEUS ME DEU JUNTO AO MEU SOGRO DIZENDO A TODOS O QUANTO EU ERA FELIZ POR TER EM MINHA VIDA DUAS PESSOAS COMO ELES. SEMPRE PRESENTES, PRINCIPALMENTE NAS HORAS MAIS DIFÍCEIS, SEMPRE PROCURANDO NOS RODEAR DE ATENÇÕES E CUMULAR DE BENÇÃOS. ÉRAMOS, NÓS, FILHOS, NORAS, GENRO, NETOS ENTÃO NEM SE FALA, A RAZÃO DE VIVER DOS DOIS E CREIO QUE CONTINUAREMOS SENDO PARA MINHA BOA E DILIGENTE SOGRA QUE FICOU, O SEU TUDO, PERSONAGENS PRINCIPAIS DA SUA VIDA.

LEMBRO DE TANTAS COISAS QUE NÃO AS PODERIA CONTAR TODAS DE UMA VEZ, SÃO MUITAS. ANTES DE SER MEU SOGRO O SEU JAIR FOI MEU COLEGA NA PREFEITURA E LEMBRO QUE ALI NA PREFEITURA ONDE É HOJE O BONATO, FAZÍAMOS TODOS OS DIAS UMA LONGA FILA PARA BATER O PONTO E

TODA A SEMANA, ESPECIALMENTE NAS SEGUNDAS E SEXTAS-FEIRAS, ELE SEMPRE VINHA COM UMA GRACINHA, GOSTAVA MUITO DE SE ARRIAR NOS COLEGAS. UMA VEZ ELE COM MUITO ESMERO PREPAROU UM RABINHO DE ARAME E PAPEL E PEDIU PARA UM COLEGA ENCAIXAR DIREITINHO NA CALÇA DO JOÃO NA FILA DO PONTO E DEPOIS COM JEITINHO ELE MESMO PÔS FOGO, FOI UMA FESTA! PENA QUE O FOGO NÃO APAGOU E ACABOU QUEIMANDO CALÇA E CAMISA DO TAL E SAPECANDO UM POUCO A SUA POUPANÇA...MAS SEU JAIR JÁ ESTAVA LONGE PRA VER O ESTRAGO. O COLEGA NÃO TEVE O MESMO ESPÍRITO, NÃO ACEITOU A BRINCADEIRA, FICOU FURIOSO E FOI QUEIXAR-SE AO PATRÃO, QUE FEZ TODO O ESFORÇO PARA NÃO RIR NA FRENTE DO RAPAZ E GARANTIU TOMAR UMA PROVIDÊNCIA, CHAMOU O JAIR E DEU UM GANCHO A ELE. PASSADOS OS DIAS DE CASTIGO, O JAIR FOI NOVAMENTE CHAMADO NA CHEFIA, FOI QUANDO PERGUNTOU DO QUE ESTAVA SENDO ACUSADO E LHE DISSERAM, TU SABE, DE POR RABO NO SEU COLEGA DE TRABALHO. ELE DISSE, RABO EU NÃO BOTO, MAS FOGO...

MOTORISTA DA AMBULÂNCIA DA PREFEITURA E NAQUELA ÉPOCA A AMBULÂNCIA TINHA UMA MACA E CAMISA DE FORÇA PARA LEVAR OS “LOUCOS” PRO SÃO PEDRO E OUTROS HOSPITAIS EM PORTO ALEGRE. UM DIA DE MANHÃ, TUDO COMBINADO, ELE E OUTRO COLEGA PEGARAM A MARILANE, UMA DAS FUNCIONÁRIAS DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A FORÇA , METERAM NA CAMISA DE FORÇA, ATARAM NA MACA E COMEÇARAM A DAR VOLTAS NA QUADRA DA PREFEITURA COM A SIRENE LIGADA E A MARILANE GRITANDO DESESPERADA: ME SOLTA, ME SOLTA!!!

COISAS ASSIM, COMO AQUELA VEZ, FAZ POUCO TEMPO QUE LIGOU PARA O TAXISTA DE MADRUGADA E DISSE QUE ERA UM CLIENTE QUE QUERIA UMA CORRIDA, QUE PEGASSE ELE EM FRENTE AO CEMITÉRIO, SENÃO IA VER O QUE ACONTECERIA. NO OUTRO DIA O TAXISTA CONTOU A HISTÓRIA PRA TURMA NO FAMOSO BANQUINHO DA PRAÇA, SÓ QUE TODOS JÁ SABIAM DA SACANAGEM E FOI AQUELA RISALHADA. AH... QUANTAS VEZES VAMOS LEMBRAR E TER SAUDADES DELE, MUITO MAIS QUE MUITAS,,,TENHO CERTEZA DISSO.

O GIOVANE GOSTA DE C ONTAR DAS SACANAGENS E TAMBÉM DAS BRABICES DO SEU PAI, QUE QUANDO ELE E O JAIRO BRIGAVAM, AMARRAVA OS DOIS UM DE COSTAS PRO OUTRO NUMA ÁRVORE NOS FUNDOS DE CASA. QUE O GIOVANE COSTUMAVA SAIR E NÃO CUMPRIR HORÁRIO DE VOLTA E QUE UM DIA QUANDO COMEÇARAM A CANALISAR E ARRUMAR A RUA JÚLIO ROSA, SEU JAIR SE ESCONDEU E TAPOU-SE COM UM LENÇOL, ESPEROU O GIOVANE CHEGAR PERTO E QUANDO ELE CHEGOU, LEVANTOU-SE E DEU UM BAITA SUSTO...O GIOVANE FOI PARAR LÁ NA TIA CELA APAVORADO E FICOU POR MUITO TEMPO ACREDITANDO EM FANTASMA E SEM SABER QUE O FANTASMA ERA O PAI DELE.

GELÉIA DE MOCOTÓ, CHURRASCO NO DOMINGO E A PRAIA?

ELE SENTADO EM SUA CADEIRA NOS FUNDOS DA CASA TOMANDO CHIMARRÃO, PENSATIVO...OU NA FRENTE ONDE JÁ TINHA UMA CADEIRA QUE ERA SÓ DELE OU DE CHAPÉU DE PALHA NA PRAIA FAZENDO SEMPRE UMA REFORMA, O SEU ERONÍ E O DORMINHOCO...INVENTANDO ALGO, SOLTANDO PANDORGAS, CORTANDO PINHEIROS,TOMANDO CHIMARRÃO E CONTANDO CAUSOS COM O NEGRINHO E A RITA...COM OS NETOS OU SÓ OS DOIS, LOUCOS DE MEDO DE LADRÃO NA PRAIA...MEU DEUS! O TEMPO SE FOI...AGORA UM OUTRO TEMPO...SEM ELE...

LEMBRO QUE QUERIA TANTO VER MEU PAI, UMA NOITE NÃO CONSEGUIA DORMIR, EU E O GIOVANE APENAS NAMORADOS E EU COMENTEI QUE TINHA VONTADE DE VER MEU PAI NO HOSPITAL AQUELA NOITE, ELE PEGOU A BRASÍLIA AMARELA E ME LEVOU LÁ, ACABEI CHEGANDO NEM BEM DEZ MINUTOS ANTES DELE MORRER.COMPLICADAS ESSAS LEMBRANÇAS, ACHO QUE FOI ALI QUE ME ADOTOU PRA FILHA TAMBÉM, TINHA VISTO A MINHA FRAGILIDADE, ACHO QUE SEMPRE SOUBE QUE POR TRÁS DAQUELA CARA DE SABE-TUDO E RESOLVE TUDO HAVIA ALGUÉM...EU.

LEMBRO DA FOTO DO MEU PAI MOÇO EM FRENTE AO CLUBE UNIÃO, COM UM AMIGO MORENO DO LADO, ERA ELE, OS DOIS COM UM CIGARRINHO NO MEIO DOS DEDOS, ERAM AMIGOS. O TARTARUGA E O TIO VILA E APRONTARAM POUCAS E BOAS JUNTOS. O QUE NÃO SABIAM É QUE UM DIA OS FILHOS IAM SE CONHECER E CASAR E TER FILHOS, ACHO O NICOLAS UMA MISTURA DOS DOIS.O NICOLAS, O PRIMEIRO NETO, O COMPANHEIRO DO VOVÔ, TEVE TODOS OS PRIVILÉGIOS E ADOTOU ALGUNS JEITOS E MANIAS DO AVÔ, TOMA SEU CHIMARRÃO SOZINHO, GOSTA DE BRINCAR E FAZER GRAÇA COM A CARA DOS OUTROS, ACHA TUDO ENGRAÇADO E AO MESMO TEMPO É MUITO FAMÍLIA. VAI TER O PRIVILÉGIO E O PREJUÍZO DAS BOAS E DAS MÁS LEMBRANÇAS...CADA NETO SEMPRE TÃO ESPECIAL PARA ELE, CADA UM, O NIC, A MARINA(GRITONA), O JOSÉ (ZEZINHO), A RAQUELI (ESSA GURIAZINHA), A ANINHA DO VOVÔ E A MARIA CLARA (A PRETINHA).

NOSSA ALEGRIA É SABER QUE ELE NÃO ESTÁ EM UMA ESTRELA QUE BRILHA OU VAGANDO POR AÍ, MAS JUNTO DE DEUS NO LUGAR EM QUE O SENHOR ESCOLHEU E RESERVOU PARA ELE. A DAIANE TROUXE A PALAVRA QUE DEUS DEU NAQUELA TARDE TÃO DIFÍCIL E TÃO TRISTE, ESTÁ EM ECLESIASTES 3 – HÁ TEMPO PARA TODAS AS COISAS...TEMPO DE NASCER E TEMPO DE MORRER E EM JOÃO: 14 – NA CASA DE MEU PAI HÁ MUITAS MORADAS E QUE O SENHOR HAVIA PREPARADO MORADA PARA SEUS AMADOS. ELE PRÓPRIO QUIS ASSIM, ENTREGOU SUA VIDA PARA JESUS, AGORA É DELE E CERTAMENTE NOS REENCONTRAREMOS NA GLÓRIA! OUTROS TEMPOS!

Sexta-feira 13 – Dia de Chuva

                                                 Patrícia Ferreira da Silva








   Sensações estranhas – dia também do aniversário do meu afilhado querido, Douglas e de minha sobrinha Letícia – churrasco à noite.


   De tarde no serviço me senti mal, pensei que era pressão alta, mas fui ao posto e estava normal, é a coluna... não agüento a dor


  Para ajudar no fim do expediente batia água e nada do Rogério me buscar, tinha reunião na escolinha do Lucas. Foi aparecer tarde, seis e tantas, pra ajudar faltou gasolina no meio do caminho, na frente da casa do Pato e o Rogério tomou o maior banho de chuva pra pegar gasolina, normal... também não pôde ir na reunião, foi pra casa...normal...e eu tive que ir sozinha para reunião de pais e depois voltar de carona com a Regina – isso foi pra completar a minha sexta-feira 13 é claro!!


   Participei da reunião e, quando pensei, agora vou pra minha casinha, tomar um banho quentinho e... a Regina vem com a sua conhecida paciência de Jó e me diz que ia aproveitar minha companhia para fazer umas comprinhas e eu, morta de dor na coluna, já falei isso uma vez e só de repetir dóiiii. Mas, como uma boa caroneira, sorri educadamente e disse: - É claro, pode contar comigo.


  Vejam os senhores e as senhoras que acabamos ficando lá até as oito da noite, a loja ficava na casa da mulher que veio nos atender com um dos filhos agarrados no pescoço, enquanto outros corriam pela sala fazendo uma algazarra daquelas.
Também não era para menos, meninos. Afastei uns brinquedos, empurrei para o lado algo que parecia restos de bolacha mordidos e abandonados no sofá e fiquei observando. Um dos meninos, o mais magrinho de cabelos ondulados, vinha da cozinha, parecia um gato, carregava um pires cheio de leite com fibras, pelas bordas. Fazia o trajeto cozinha – quarto em total perigo, eu já enxergava o leite entornando, quando atinei em oferecer-me para ajudá-lo e ele..ufa!!! aceitou, o que me trouxe um alívio muito grande. Nisso, surge vindo de não sei onde um outro menino e me puxa pelo braço dizendo:


   -Quer ver tia, quer ver tia, quer ver tia? – trancou o disco, enquanto ele virava uma cambota, o leite escorreu para o chão, com fibras e tudo...meleca


  - Tu viu tia esse é o meu mortal!!!Quer ver outro?Quer ?– insistia o responsável pelo acidente.


- Mais tarde, tá bom? – respondi com toda calma que pude, mas louca para esganá-lo.


  A mãe surgiu na porta e riu, disse: só um minuto, antes que ela fale...vamos reservar esse  espaço para que você possa pensar e optar:


   Alternativa a – Deu uma bronca no menino.


   Alternativa b- Ralhou com o menino e correu para limpar o chão.


  Alternativa c – Gritou, ai meu tapete persa!!


  Nenhuma alternativa é a correta, ela disse:


  - Marquinhos vai tirar esse tatu do nariz, a moça vai ficar com nojo, hem?


  O leite ficou ali, pedi um pano que não veio. Resignada e indignada e nada! Porque não vai resolver mesmo, fui sentar na pequena área do sofá que havia reservado e olhar um pouco de tv,pensei de repente pego um pedaço da novela, quando pela porta vi se repetir a cena, um replay ao vivo e a cores do menino com outro prato cheio de leite com chocolate e fibras, caindo pelas bordas e ele vinha...e vinha na minha direção, até sentar do meu lado.Eu sorri, indo para o canto do sofá, o máximo que pude, pensando em secreto, ah se tu é meu filho, ia ver só! Te dava umas chineladas e... Ele disse com voz de narrador de fórmula um:


  - Ooooi, olha só tia, quer ver tia que eu tomo tudo num gole só.


  Eu disse:


  - Nããão precisaaa... – arrastei, enquanto o leite fazia um bigode e barba no guri e a outra metade escorria marrom na camiseta branca.


  Achei que era o suficiente para mim, melhor ir a pé para casa com chuva e tudo, foi quando a Regininha, aquela traidora que me conversou dizendo que precisava da minha opinião para escolher umas roupinhas, aparece carregada de compras e reclamando como sempre, da inflação, do preço da gasolina, que a coisa não tá fácil. Aahhh, ora me poupe!!! Já é muito para um só dia, só podia ser sexta-feira 13 mesmo!! Mas ainda tinha o churrasco...








A VIAGEM

                                                       Patrícia Ferreira da Silva




Numa noite de 1973 chegávamos a Rio Grande, num fusquinha atopetado de coisas. Eu, papai, mamãe e minhas duas irmãs.


A despedida tinha sido ao mesmo tempo dolorosa e emocionante desde aquela época eu já gostava de uma boa aventura. A viagem foi longa e incômoda, mal podíamos nos mexer, pois o banco traseiro, onde estávamos sentadas estava lotado, com a televisão, sacos de roupas, acolchoados, travesseiros e, no meu colo, como se não bastasse: bacia, bule, chaleira e duas canecas.


A Letícia na outra extremidade, de vestido listrado de vermelho e branco, meia calça de renda e correntinha no pescoço que era puro talco, se perdia no meio de cobertas, feito um gato de catálogo.


E assim o caminho era feito em silêncio, um silêncio cheio de expectativas e saudades, do vovô, vovó, Carlinhos e toda a família e amigos que tinham ficado pra trás. Nenhum de nós sabia ao certo o que nos reservava aquela nova cidade, tínhamos morado a vida toda nos fundos da casa dos meus avós, tão protegidos e felizes. Agora eu via com olhos de menina de oito anos o que era a verdadeira felicidade.


Meu pai parou numa lancheria para comermos pastel com refrigerante. Eu e Letícia escolhemos Fanta Uva, só pra ficarmos de bigode roxo e rirmos à toa uma das outras. A medida que a estrada ia ficando pra trás, meu pai ia falando da cidade onde íamos morar, tentando nos convencer de que era algo próximo ao paraíso. Até o momento a única coisa que me agradava era saber que nos fundos da casa me esperava um grande pé de goiabas. Outro forte argumento era o de que conheceríamos o mar e aos fins de semana poderíamos passar quanto tempo quiséssemos na praia do cassino, nome e lugar que traziam a combinação perfeita para a nossa família, praia para minha mãe que adorava o mar e Cassino para meu pai, um jogador inveterado.


Era madrugada quando entramos na cidade, mas o céu se mantinha cheio de estrelas que pipocavam luz no lugar, que parecia se localizar em um mundo a parte do nosso, completamente diferente de tudo o que eu já tinha visto na vida. A presença dos meus pais não era suficiente para anular aquele frio na barriga frente aqueles prédios enormes, letra luminosas por toda a parte. Desenhos de pessoas sorrindo, homens de bota e chapéu, uma loira imensa esticada feito um peixe chamava-se Ipirella e desfilava diante dos meus olhos, na tela do vidro traseiro. Letícia dormia, parecia um anjo indefeso e eu com tanto sono que tudo parecia um tanto irreal.


Em seguida pegamos uma estrada próxima a praia e o cheirinho de maresia invadiu o carro. Dormi, só acordando quando minha mãe sacudiu o meu braço, me chamando para a rua, só aí percebi que o carro não estava mais em movimento. Quando olhei pela janela o que vi foi a coisa mais sensacional que já tinha visto até então. Fiquei assim, sem falar, a voz mesmo que eu quisesse não saía. Era o mar, comprido e brilhante, no fundo o monstro sol enorme, botando medo nas últimas estrelas do céu. Enquanto eu sonhava os outros já estavam lá, correndo na areia. Meus pais na beira da água abraçados olhavam aquele espetáculo lindo. Ao longe uma plataforma guardava vários barcos, os pequenos se preparavam para ir mar a dentro em busca de pesca. Outros maiores tinham até janelas, pareciam casas flutuantes. E fiquei assim, num devaneio, balançando com a gaivota pintada na vela daquele barco e nem notei que os pequenos já tinham se ido, ganhavam o alto mar e minha família esperava paciente ao longe, escorada no Herby, nosso fusquinha branco.


Mais uma meia hora rodando e chegamos a uma vila com as casas todas iguais, separadas em grupos de duas, geminadas. A nossa era verde, ligada a uma cor de rosa, onde morava uma senhora que nos atendeu com jeito de quem já nos conhece há muito tempo. Falava diferente, coisa mais esquisita.


-Como forram de viagem seu Dinarro, pensei que família de senhor nom chegava mais. – era desse jeito.


Dona Lagarta nos ofereceu bolinhos deliciosos, bem redondinhos e com açúcar em cima. Na verdade o nome da pobre era Hidelgarta, mas custamos a aprender e acabou ficando Dona Lagarta, a custa de alguns beliscões da minha mãe.


Mais tarde quando o pai trouxe a chave da casa, estávamos todos no pátio da vizinha, de onde podíamos enxergar os fundos da nossa casa, mamãe por cima do muro e nós, pelos intervalos dos tijolos. Era um pátio pequeno, cheio de plantas, entre elas, a prometida goiabeira, que frondosa estendia sua sombra larga da porta dos fundos até a metade do quintal. E lembrei de outra goiabeira, uma que eu mesma havia plantado lá longe, na minha outra casa. E me bateu saudade, uma vontade de chorar. Chorar foi o que fiz todas as noites por muito tempo, quando todos estavam dormindo, não queria causar mais problemas. Sentia uma dor tão forte no coração, “tum” apertado, parecia doença, mas coração não dói. E eu não ia morrer dizia minha mãe, era só a saudade.


Se a noite eu chorava, durante o dia me aventurava a conhecer a cidade, seus supermercados, suas ruas largas e asfaltadas, seus caminhos com calçadas, onde transitávamos a procura do seu Dinaro, que na certa tinha descoberto uma nova carpeta.


Era período de férias e eles se desdobravam para arrumar vagas em um escola, para mim e a Letícia, papai preferia uma escola de freiras, mas era particular e o dinheiro não dava mesmo. Dona Rosa, minha mãe, perambulava pelas secretarias das escolas públicas e não dava ouvidos aos sonhos do marido, já estava acostumada. Por fim uma surpresa, o Dom Quixote Mor havia convencido a firma a pagar a mensalidade do Grupo Escolar Cristão Joana D’Arc, uma das melhores escolas da cidade. E não é preciso dizer que chegou em casa inçado de tanto orgulho, tirando a maior onda com a cara de desconfiada da minha mãe. Sempre com o pé atrás.


Mas não era porque a firma ia pagar a mensalidade, que a escola deixava de ser particular e todos os problemas estavam resolvidos. Tinha o uniforme, material escolar de primeira e até uma bíblia especial que era vendida na própria escola, a que tinha lá em casa não servia. Muito tarde para procurar outro colégio e para que não perdêssemos o ano, Dona Rosa resolveu arrumar dinheiro, abriu a porta da sala e começou a servir almoço para os colegas do meu pai, o que não deixou muito satisfeito. Nós éramos as garçonetes e meu pai como sempre se acostumou com a idéia e já traçava planos mirabolantes de um restaurante especializado em comidas do mar: peixes, camarões, etc. Sonhava...


Não custou nada para percebermos que em Rio Grande era tudo diferente, muito diferente. Os horizontes não tinham campo, nem estrada de chão, para frente o portão da usina, montes de ferro e latões de óleo. Para trás nada dava em lugar nenhum. Ficávamos, eu, Letícia e acho que minha mãe também, esperando a sexta-feira que tinha aquele gosto de véspera. No cardápio galinha, farofa e bolinho de arroz, feitos pra sobrar e encher a sacola que levávamos a praia no sábado bem cedinho.


Lá esquecíamos o choro noturno, o salário do pai que desaparecia todo o fim de mês, quase sempre junto com ele, as nojentas da escola, a missa forçada, os sapatos pretos, tudo ficava pra trás.


Aquela era a nossa estrada que sabíamos passava pela areia branca da praia, o mar azul e por aquele ventinho gelado que invadia a alma da gente e levava o pensamento pro outro lado do mar...Chegávamos então a Ouro Negro, no quintal da nossa velha casa, as luzes estavam acesas, vovó no fogão. Estávamos de volta.

A Parede Invisível

A Crônica "A parede Invisível" da escritora Patrícia Ferreira recebeu terceiro lugar na categoria Crônicas do Concurso Literário Nacional  Felippe D"Oliveira da cidade de Santa Maria no ano de 1993, em sua 17  edição.

                                                                 

   A chuva batia mansinha na janela e pipocava no telhado como se quisesse conversar comigo.E pelas frestas da porta entrava aquele cheirinho de terra molhada, lavando a alma da gente. Se ficasse com os olhos bem fechados, podia sentir a chuva escorrendo no meu corpo, entrando pela camisa suada, refrescando meu peito e se misturando com a minha pele. Quando eu era pequena, a chuva me dava medo, morávamos no morro da glória, eu, minha mãe e minhas duas irmãs. Era uma peça só, feita de tábuas pretas e viscosas,um pouco separadas umas das outras e o telhado era cheio de falhas. Chegava a noite, mamãe abria uma caminha de molas, encostava em sua cama e ali dormíamos todas juntas. Se era noite de lua, eu ficava olhando as estrelinhas que brotavam do céu. Era uma hora de paz e grandeza. E a gente parecia que podia tudo. Eu gostava mesmo era de ficar de barriga pra cima, que era pra poder ver todas as luzinhas que se misturavam dentro de casa e se encontravam com os sons que vinham da rua.sons das vozes da gurizada que amanhecia fazendo arruaça.Na maioria das vezes, era impossível curtir as luzinhas mágicas, porque minha mãe também não dormia, como eu, e olhava as estrelas, só que chorava quietinha, naquele choro particular, como se fosse proibido chorar.E as lágrimas iam caindo soltas e escorrendo pelo rosto, grossas e quentes, quentes e doidas.Então eu fingia dormir, até ressonava de vez em quando, e, sem perceber, o que era brincadeira acabava acontecendo:dormia.Sou a mais velha e naqueles tempos só tinha duas irmãs; Simone, um ano e meio mais nova, e Caren, com oito anos de diferença um bebezinho de cabelo encaracolado e olhos azuis, linda.
   Mas, eu estava falando da chuva e do medo que sentia dela.Quando chovia, podia, ser forte ou fraca, dava um frio dentro de min, como se aquela noite não fosse mais acabaR e como se toda a água que escorria pelo chão de terra batida, fosse inundar tudo subir pelo pé da cama afogando a gente.A primeira a ser atingida seria a Caren, que dormia na caminhada de molas.A chuva ia chegar, deslizar pelo chão e subir, subir, e ela não se mexia, de olhos fechados e branquinha, branquinha.Eu me enchia de pavor, mas, quando tentasse salva-la, a parede invisível do colgate estaria entre nós, e a gente não ia se ver nunca mais.Daí eu chorava, soluçava alto até minha mãe acordar e me acalma.Então eu enrolava bem os pés nas cobertas, era O jeito de me sentir protegida e segura do monstro da chuva, e chovia , chovia, chovia...

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

FLOR...DELÍCIA...DELÍCIA DE FLOR!

Patrícia Ferreira


Quem diria que esse dia iria chegar, mas afinal de contas esse é o dia mais certo para quem nasce.Em pleno 2009 se foi a baixinha com nome de flor que faz parte do rol das pessoas pitorescas que passam pela vida da gente e deixam lembranças, lembranças que pensamos que vão ficar para sempre, mas o tempo amarela e faz desaparecer também as nossas memórias, como faz com as fotos antigas que vão se desmerecendo, perdendo o brilho, até desaparecer a imagem.Quero guardar essa lembrança da baixinha faceira, de voz grossa e chapeuzinho na cabeça, guarda-chuva pendurado no braço, que acompanhava os tempos e as trocas de moeda ao lado da porta do banco pedindo um pila, um cruzeiro, um real.Quero lembrar e lembrar e cansar de lembrar, até, até...até que meus netos quando me ouvirem contar sua história pensem que é uma invencionisse minha, mas que peçam pra eu contar de novo.Quero lembrar , lembrar e lembrar até...até que as páginas deste livro também se desmereçam como nossos cabelos e mãos e rosto com o tempo e alguém, que por este livro passe, assim quase ao acaso, caia na sandisse de abri-lo e abrindo caia na loucura de lê-lo e lendo sinta uma nostalgia deliciosa daquilo que nunca viveu.Incrível, hoje ocupando teu lugar ao lado da porta do banco, jaz teu retrato em um aviso funerário, as pessoas, sabe como são, passam e nem notam que é você, que se foi, muitos nem a conheceram na foto, tão diferente, como a maioria das fotos que as pessoas escolhem para os avisos fúnebres e para as lápides.Ah Flor, se soubesse que ias estar lá eu iria consolar-te em teu velório e dar o braço para sustentar-te em teu cortejo, mas não vais estar e sequer conheci algum parente teu. Tu eras assim, um pouco de todos, bem que podiam ter cuidado melhor de você, eu mesma, mas agora é tarde, na verdade sempre parece tarde quando nos damos conta do que deixamos de fazer e cedo demais quando partem as pessoas pelas quais pouco ou quase nada fizemos.Mas, enfim, tiau, vai em paz, de minha parte vou tentar não te esquecer, tá bom assim? Já sei, vai ficar lá na caixinha azul da minha infância, pois a menina que mora em mim é muito melhor do que eu, ela vai cuidar de você.Vou te colocar sentadinha junto a um monte de gente que amei e já se foi, no lugar de destaque das minhas lembranças, numa espécie de pódio que inventei.Vai pra ti um beijo assoprado para que o ar carregue e um dia chegue a você.