sábado, 19 de dezembro de 2009

A Parede Invisível

A Crônica "A parede Invisível" da escritora Patrícia Ferreira recebeu terceiro lugar na categoria Crônicas do Concurso Literário Nacional  Felippe D"Oliveira da cidade de Santa Maria no ano de 1993, em sua 17  edição.

                                                                 

   A chuva batia mansinha na janela e pipocava no telhado como se quisesse conversar comigo.E pelas frestas da porta entrava aquele cheirinho de terra molhada, lavando a alma da gente. Se ficasse com os olhos bem fechados, podia sentir a chuva escorrendo no meu corpo, entrando pela camisa suada, refrescando meu peito e se misturando com a minha pele. Quando eu era pequena, a chuva me dava medo, morávamos no morro da glória, eu, minha mãe e minhas duas irmãs. Era uma peça só, feita de tábuas pretas e viscosas,um pouco separadas umas das outras e o telhado era cheio de falhas. Chegava a noite, mamãe abria uma caminha de molas, encostava em sua cama e ali dormíamos todas juntas. Se era noite de lua, eu ficava olhando as estrelinhas que brotavam do céu. Era uma hora de paz e grandeza. E a gente parecia que podia tudo. Eu gostava mesmo era de ficar de barriga pra cima, que era pra poder ver todas as luzinhas que se misturavam dentro de casa e se encontravam com os sons que vinham da rua.sons das vozes da gurizada que amanhecia fazendo arruaça.Na maioria das vezes, era impossível curtir as luzinhas mágicas, porque minha mãe também não dormia, como eu, e olhava as estrelas, só que chorava quietinha, naquele choro particular, como se fosse proibido chorar.E as lágrimas iam caindo soltas e escorrendo pelo rosto, grossas e quentes, quentes e doidas.Então eu fingia dormir, até ressonava de vez em quando, e, sem perceber, o que era brincadeira acabava acontecendo:dormia.Sou a mais velha e naqueles tempos só tinha duas irmãs; Simone, um ano e meio mais nova, e Caren, com oito anos de diferença um bebezinho de cabelo encaracolado e olhos azuis, linda.
   Mas, eu estava falando da chuva e do medo que sentia dela.Quando chovia, podia, ser forte ou fraca, dava um frio dentro de min, como se aquela noite não fosse mais acabaR e como se toda a água que escorria pelo chão de terra batida, fosse inundar tudo subir pelo pé da cama afogando a gente.A primeira a ser atingida seria a Caren, que dormia na caminhada de molas.A chuva ia chegar, deslizar pelo chão e subir, subir, e ela não se mexia, de olhos fechados e branquinha, branquinha.Eu me enchia de pavor, mas, quando tentasse salva-la, a parede invisível do colgate estaria entre nós, e a gente não ia se ver nunca mais.Daí eu chorava, soluçava alto até minha mãe acordar e me acalma.Então eu enrolava bem os pés nas cobertas, era O jeito de me sentir protegida e segura do monstro da chuva, e chovia , chovia, chovia...

Nenhum comentário:

Postar um comentário