Numa certa época o objeto mais chique que tínhamos em casa era uma bíblia grande com a borda das folhas douradas.Todas juntas reluziam parecendo ouro. Até hoje não sei o fim que deram a ela;só sei que fazia parte das diversas coleções
de livros que meu pai adorava comprar dos viajantes.Meu amor
pela leitura é herança de pai e mãe; minha mãe sempre gostou de ler e meu pai era apaixonado pelos livros , achava-os importantes, gostava de vê-los na estante enfileirados e limpos, com cheiro de novo.
Novenas e procissões faziam parte do calendário religioso da família e nós meninas , botávamos vestidos de brodery , meia americana,sapato de verniz , melindrosas de bolinhas e correntes com medalha de santinho no pescoço.
Era uma festa , toda a cidade se reunia , a procissão partia da igreja matriz e dava a volta na cidade. A mais bonita pra mim era a de Santa Bárbara, nela a Santa era carregada cheia de flores pelos mineiros que usavam capacetes com as luzes acesas na cabeça,uniformizados iam iluminando o caminho até a mina de carvão, onde a Santa era levada até o subsolo para abençoar o local e trabalhadores,protegendo-os de acidentes e desgostos, como se isso fosse possível...
Mais tarde continuaria gostando muito dessa data , 4 de dezembro, aniversário de alguém muito especial , com quem partilharia a janela pra ver a santa passar todos os anos em direção ao poço, naquele ritual idólatra.
Mas, voltando ao passado , numa dessas procissões , iam em nossa frente carregando velinhas acesas e rosários de cristal,duas senhoras respeitadíssimas ; uma delas muito eloqüente
em rezar suas rezas e cantar seus cantos,os quais podiam ser ouvidos a bons metros de distância .
Dona Josefa e Dona Carmelita eram também conhecidas por gostarem de uma boa fofoca e estarem sempre muito bem informadas a respeito da vida alheia.
Pois nessa procissão,o padre dizia: ave Maria cheia de graça ,o senhor é convosco e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.
E os fiéis em coro rezavam a outra Parte :santa Maria,mãe de Deus ,etc.etc..e tudo de novo.
Eu e minha irmã que mais especulávamos quem tava na procissão do que rezávamos , curiosidade própria das crianças entre 7 e 8 anos –íamos de braços dados ao lado de nossos pais e atrás da Dona Josefa e Dona Carmelita. E, como já disse , as duas rezavam fervorosas e tão alto que boa parte dos fiéis ouviam e se sentiam desobrigados de repetirem a sua parte, só que no meio das preces iam colocando os assuntos em dia . Numa dessas, subindo a rua da igreja , prosseguiam as duas eloqüentes .
O padre disse : Ave Maria cheia de graça...
E Dona Carmelita: - Santa Maria mãe de Deus, zefa o que é aquele prédio ali na esquina ? agora e na hora de nossa morte.Amém.
Prontamente responde a outra:
O padre disse : Ave Maria cheia de graça...
E Dona Carmelita: - Santa Maria mãe de Deus, zefa o que é aquele prédio ali na esquina ? agora e na hora de nossa morte.Amém.
Prontamente responde a outra:
-Amém! Glória ao pai ao fi... ,aquele é o prédio duma mulher de São Jerônimo... Santa Maria mãe de Deus.
-Rogai por nós pecadores, mas o que vão vender? Ave Maria cheia de graça .- continua Dona Josefa.
-É uma loja, Souza e Souza é o nome (e incrementando a voz prosseguiu a oração ) Bendito é o fruto do vosso ventre ...
As duas:Amém!
Sem poder segurar o riso, coisa que nunca consegui mesmo e para não sermos notados e acusados de blasfêmia, meu pai não menos louco pra rir, parou a beira da estrada e trocamos de lugar na procissão. Ali tinha se estragado o programa ou melhorado, cá pra nós. Eu e minha irmã, não conseguimos fazer outra coisa que não fosse rir e imitar as duas carolas, o que nos valeu bons beliscões-beliscõezinhos, que quanto menores, mais doíam.
Quisera eu que a coisa parasse por aí, que no outro dia não tivesse a novena e eu não tivesse que ficar perto da dona Josefa, pois ela era do coro e nós, eu e outras crianças, líamos versículos bíblicos durante a missa.Tudo ia bem e eu até poderia ter esquecido do episódio, se Dona Zefa não fosse aquele tipo de carola empolgadíssima em suas rezas e cant
Num dos cânticos ela extravasou, dessa vez para uma platéia bem maior (no mínimo metade da população da cidade). A música era aquela, cujo o refrão diz!Glória, Glória, Aleluia! Foi no decorrer da canção que dona Zefa foi se empolgando sua voz ficando cada vez aguda.
Num dos cânticos ela extravasou, dessa vez para uma platéia bem maior (no mínimo metade da população da cidade). A música era aquela, cujo o refrão diz!Glória, Glória, Aleluia! Foi no decorrer da canção que dona Zefa foi se empolgando sua voz ficando cada vez aguda.
E de repente ela se entregou a canção, todos pararam de cantar e ela continuou, abafando:glória, glória, aleluiaaaa.O padre vendo a situação prolongou o canto, até ficar insustentável. O padre então a contragosto bateu em seu ombro e fez um sinal lembrado que queria continuar a missa.
Eu, bum, explodi, explodi de rir e tive que sair correndo da igreja. SEmpre foi assim, engulo o choro, mas o riso, por favor não me peça!
FOTO: irmãs Cajazeiras da novela "O bem Amado" sempre me lembram das procissões .
achei teu bloggg.
ResponderExcluirestou te seguindo tbm
adorei o blog
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